Memórias matemáticas: da educação infantil ao PhD na Holanda

 

Três vezes medalhista da OBMEP, Vinícius Oliari Couto Dias, de Vila Velha (ES), atribui trajetória a apoio e oportunidades


 

 

Ele narra o episódio como se fosse recente, embora tenha ocorrido há mais de 20 anos: o primeiro contato com a Matemática foi no jardim de infância, quando, numa exposição de livros, sentiu-se atraído por um volume com figuras e desenhos de operações simples, como a soma dos números três e quatro.

 

 

“Na época, nem sabia somar ou multiplicar. Ainda assim, a enciclopédia com operações matemáticas virou meu livro preferido, porque queria aprender mais sobre aquilo”, recorda Vinícius Oliari Couto Dias, 24 anos, acrescentando que a mãe, ao vê-lo tão interessado, comprou o livro para ele e Douglas, o irmão caçula.

 

 

O relato condiz com o registro que a Ana Maria Ferreira Couto guarda na memória, cheia de cenas familiares vinculadas à Matemática. “É um interesse que eles têm desde pequenos. Aos 6 anos, brincavam com a lógica. Sabiam fazer regra só no raciocínio, sem recorrer a contas.”

 

 

Como Vinícius ressalta, difícil seria não gostar de Matemática, sendo filho de Ana Maria, engenheira elétrica formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e Jason Pervidor Dias, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Cândido Mendes. Em casa, não faltou estímulo para tornar o contato com a disciplina motivador e agradável. “O apoio dos pais é fundamental para despertar a curiosidade dos filhos”, observa ela.

 

 

A partir dali, o escaninho dedicado às memórias relacionadas à Matemática foi se enchendo de histórias, num movimento que ganhou ainda mais ritmo no Ensino Médio, quando Vinícius ingressou no IFES do Espírito Santo e estreou na OBMEP – até então, estudara em escolas particulares, a Santa Adame (1ª à 5ª séries) e o Colégio Marista de Vila Velha (6ª à 8ª séries).

 

 

No IFES, conquistou prata na OBMEP já no primeiro ano do curso de eletrotécnica, realizado de forma integrada ao Ensino Médio. Nos dois anos seguintes, obteve distinção ainda maior: ouro. Com as medalhas, pôde entrar no Programa de Iniciação Científica (PIC Júnior), o que foi determinante para seguir nas Ciências Exatas.

 

 

“O PIC me incentivou ainda mais a gostar de Matemática e a aprender assuntos que não eram abordados no Ensino Médio. Além disso, me preparou ainda mais para as olimpíadas seguintes”, diz.

 

 

Florêncio Ferreira Guimarães Filho, professor do Departamento de Matemática da UFES e coordenador da OBMEP no Estado, acompanhou de perto os passos de Vinícius e foi seu orientador no PIC Júnior.

 

 

“Ele fez comigo disciplinas como geometria analítica no plano e geometria analítica no espaço. Era muito aplicado, como, em geral, é todo medalhista de ouro da OBMEP. Sua história é vitoriosa. É um incentivo aos demais alunos”, afirma.

 

 

Vinícius passou para Engenharia Elétrica da UFES em 2012. Já no primeiro ano ingressou no PICME - Programa de Iniciação Científica e Mestrado, no qual universitários que se destacaram na OBMEP e na OBM recebem uma bolsa e podem se dedicar a estudos avançados em Matemática ao mesmo tempo em que fazem a graduação.

 

 

 

 




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O desempenho foi tão bom que o professor no programa o incentivou a tentar vaga no mestrado em Matemática, no segundo ano de faculdade. Ele não só conseguiu ser admitido como cumpriu todas as matérias em paralelo com as disciplinas da graduação. Pegou o diploma de Engenharia Elétrica no fim de 2016 e, em maio do ano seguinte, defendeu a dissertação.

 

“Tanto o PIC quanto o PICME foram de extrema importância para mim. A OBMEP me deu a oportunidade de cursar um mestrado simultâneo à graduação. A OBMEP e os Programas de Iniciação Científica foram fundamentais na minha formação e na minha vida. Através deles tive certeza que seguiria o caminho das Exatas. A formação matemática que me proporcionaram foi decisiva para um bom desempenho na vida acadêmica, principalmente na faculdade. A base matemática adquirida me ajudou a formular artigos para congressos em engenharia, além de proporcionar uma ampla visão nas disciplinas que cursava, pois, entendendo a Matemática por trás do assunto, era possível aprender com muito mais facilidade.”

 

 

Estudos sobre transmissão por fibra óptica

 

 

Antes mesmo de concluir a graduação e defender a dissertação, Vinícius passou a trilhar o caminho que o levaria à Holanda. Ele se interessou pelo doutorado em Engenharia Elétrica, na área de Telecomunicações, na Universidade TUE (Eindhoven University of Technology). E foi aprovado. Desde setembro, está na instituição, dedicando-se a projeto relacionado à transmissão por fibra óptica.

 

 

Segundo Guimarães Filho, a aprovação em unidade de ensino no exterior prova o conhecimento avançado de Vinícius em Matemática. “Não é qualquer engenheiro que é aceito para ser aluno de doutorado. As universidades estrangeiras só aceitam os com bom nível em Matemática. Certamente, a OBMEP contribui para ele ser aceito na Holanda. Não foi só a Engenharia. Foi a Matemática”, destaca.

 

 

Vinícius concorda. Ao se candidatar, nem sequer concluíra a dissertação. Enviou cópia do que já estava pronto e esperou o retorno. “Eles gostaram bastante dessa base matemática que havia adquirido. Acredito que foi fator fundamental na minha escolha, porque a área de pesquisa em fibra óptica mexe muito com a Matemática”, diz ele, que integra grupo dedicado ao processamento de sinais.

 

 

Quando analisa sua trajetória e o desempenho do Brasil em Matemática, onde há um abismo entre os indicadores da Educação Básica e a excelência em pesquisa, Vinícius avalia que o problema é decorrente da falta de incentivo aos estudantes nos primeiros anos de estudo.

 

 

“Muitos não têm nem muita condição nem a visão da escola como meio de mudar de vida. São necessários mais investimentos na área e melhores condições para alunos e professores. A OBMEP tem tido papel fundamental na vida de muitos estudantes, pois incentiva e aperfeiçoa o aprendizado da Matemática através dos programas de iniciação científica e da própria prova em si.”

 

 

Para Vinícius, o ensino da disciplina precisa de aprimoramento. “O ideal é que o aluno possa identificar a Matemática com eventos que presencia no dia a dia, de modo que se conscientize da importância dela naturalmente, e não a veja apenas como uma matéria a ser cumprida. O papel do professor em demonstrar essa conexão é fundamental, além do papel dos pais em auxiliar nos deveres e incentivar os filhos a estudarem, complementando o ensino que recebem na escola.”

 

 

Ao fim do doutorado, Vinícius decidirá ou pela carreira acadêmica ou pelo mundo corporativo. Seja qual rumo trilhar, o escaninho da Matemática deverá ficar pequeno para todas as lembranças que ainda hão de vir.